Domingo, 26 de Outubro de 1997

Um nascimento há muito anunciado, ocorrerá a 1 de Janeiro de 1999, nesse dia a Europa dará à luz uma moeda, o euro, a unidade monetária da União Europeia.  A mãe já se sabe quem é, é velha....,  a velha Europa. O  pai é que ainda ninguém sabe quem é, ou vai ser. Embora haja para aí uma rapaziada que, desde já, vai adiantando não ter quaisquer culpas no cartório, outros nem se importam que digam que ali há um espirrosito seu, outros querem mesmo que se diga que sim, que foi de facto com o seu mérito que a coisa pegou.  Uma questão das mais intrincadas que já alguma vez a arrefecida Europa  teve de resolver.

 

Para já, o que se sabe, entre o mais, é que a Europa anda, está, bastante apreensiva e vive uma prenhez algo angustiante, sendo que toda a gente diz que o nascimento vai mesmo ocorrer na data prevista e, no mínimo, o que poderá acontecer é que o nubente chegue à luz do dia com grandes dificuldades de sobrevivência, posto que carece, desde já, do mais indispensável alimento para a sua sobrevivência, do imprescindível  soro lácteo,  o emprego.

 

Ora, nós não vemos que estejam a ser tomadas medidas conducentes a obviar esta angustiante carência.  Projectos, ideias, iniciativas com vista a suprir esta dificuldade escasseiam, ou melhor não existem.  A França que vive um novo sonho do socialismo propõe-se: resolver a questão reduzindo o tempo de trabalho para 35 horas semanais, mas não foi isto que o meu homónimo Lionel prometeu durante a campanha, antes havia dito que se fosse eleito criaria 700 mil empregos; arrepiou caminho.  A Inglaterra não podendo exercer a opção de ficar de fora no que concerne ao euro, propõe-se adiar a adesão para quanto mais tarde melhor. A Itália, deixa cair o governo e por Deus tudo se haverá de resolver. Por seu turno,  a Alemanha  resolve a questão trabalhando sem dar descanso aos seus homens e assim vai expandindo os negócios apanhando tudo quanto pode,  mas nem sobe a massa salarial nem reduz o tempo de trabalho.

 

E por cá?  Iniciativas por cá também não existem, nenhumas.  Algo de grave, a nosso ver,  está a acontecer, ou seja; dado que o conceito de importações no âmbito da comunidade caiu, o governo entra também no novo conceito de transmissões intracomunitárias, isto é, dá um salto até Bruxelas e adquire umas ideias como se viver na Bélgica seja a mesma coisa que viver em Portugal,  e pronto  saca o coelho da cartola, e diz:  nós vamos dizer às pessoas, nomeadamente às da função pública que o melhor será passarem a trabalhar só quatro dias por semana.  E,  e o resto logo se haverá de ver, quase diz: quem quer trabalha, quem quer dorme.

 

Confesso que quando ouço para aí advogar certas teorias de gestão, de gestão da coisa pública fico estarrecido.  A onda socialista, propõe-se a tudo, a reduzir o tempo útil de trabalho, a reduzir a semana de trabalho a quatro dias, ou até menos, distribui subsídios a esmo, a fazer promessas por atacado, etc., etc.

 

Não há dúvida que o nosso país, Portugal, pequeno pedaço do espaço europeu, está a sofrer dos efeitos de um certo mau estado geral a que se chegou e pode mesmo agravar-se e aceite-se que num contexto destes o euro até pode nascer anémico, infezado, e sem peso suficiente  para se impor a outras moedas e talvez por isso a América diga que a indústria europeia, e obviamente nessa cabe a portuguesa,  é o museu da indústria americana. Depois, depois dos erros cometidos, recuperar energias é complicado, muitas medicinas e terapias hão-de ser ministradas com vista a ganhar o quanto se perdeu.

 

Este é o meu ponto de vista, e esqueçamos agora o que tipificam os critérios de convergência. Esta é a minha convicção e desta ninguém me poderá arredar, ela radica na liberdade que a democracia me confere, e foi segundo este conceito que Jean Monett trabalhou  para  a construção de uma Europa politicamente organizada  - em termos democráticos - , economicamente forte e socialmente justa,  em ordem a atenuar assimetrias.

 

Ora este desiderato não tem encontrado, nunca encontrou suporte bastante nas ondas, nas ondas socialistas porque a sua origem marxista leva-os a abominar o capital e sem este não haverá Europa económica e socialmente justa. Outrossim,  a social democracia sempre viveu em parceria com o capital, sempre impulsionou o investimento mesmo a partir de capitais alheios mas com a certeza de gerar fundos, isto é; sempre encontrou harmonia entre o riqueza que produz alicerçada, obviamente, no capital, e o quanto distribui socialmente, se se quiser diga-se de outro modo, no socialismo versus social-democracia que distribui em ordem à correcção das assimetrias sociais. 

 

O euro é o capital que precisamos de ganhar com vista ao desenvolvimento harmonioso do sector privado, do sector público, das autarquias, das regiões, e do País, e nem nós, nem a Europa pode adormecer à sombra de sonhos cor de rosa,  posto que há por aí, por cá, muitos ditadores, ferozes ditadores disfarçados de democratas que por nada querem perder o poder e sem pejo podem muito bem provocar condições propícias a trazer de volta a negra noite do fascismo, pois este ainda bule na suas veias. O fascismo sempre emergiu após períodos de convulsões sociais e laborais.

 

Leiria, 26.10.97

  

in intemporal(idades) |  pag. 343  |  2008



publicado por Leonel Pontes às 11:36
A participação cívica faz-se participando. Durante anos fi-lo com textos de opinião, os quais deram lugar à edição em livro "Intemporal(idades)" publicada em Novembro de 2008. Aproveito este espaço para continuar civicamente a dar expres
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