O “destrabalho” não consta dos dicionários, mas também não é - nem se pretende que seja - um neologismo. Mas existe, à guisa de prévia conclusão dir-se-á até que, já é o que mais temos.
Também não é desemprego, isso é outra coisa. Então, o que é o “destrabalho”?
Há dias demos conta pela imprensa nacional que a Filarmónica das Beiras estava no estertor da morte. O desgosto era imenso, às lágrimas; trouxe a fome, dizia-se. Se no-lo dissessem diríamos que não era coisa para acreditar. Vemos, lemos e ouvimos, não podemos ignorar.
Na televisão, entre aqueles que foram ouvidos, a dado passo um presidente de Câmara, ao que deduzimos co-financiador e co-detentor da Filarmónica, dizia não perceber porque se havia de dar fim à agremiação posto que tinha espaço, ou seja; existe mercado de trabalho. E, se assim é; se a Filarmónica goza de procura, se educa e forma, se efectuou investimentos a contento, então porque hão-de desfazer todo um trabalho. Ora aí está, isto só pode ser um “destrabalho”.
Os trabalhadores, os músicos, incrédulos ficaram ao tomarem conhecimento de que a sua função estava a chegar ao fim. E mais diziam não perceber porque haviam de sofrer tamanha maldade. Uma coisa deu para perceber ali só faltava organização, tudo o mais sobrava; mercado, executantes, instrumental, dinheiro, ainda que pouco; e doravante “destrabalho”. Dê-se então ênfase à questão.
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Hoje é Domingo, à noite.
Convidado fui por ouvir um concerto musical, coisa rara cá na freguesia, Monte Redondo. Ao que fora dito este concerto insere-se nas comemorações do centenário do nascimento de um filho da terra que também foi músico, professor e bispo, D. João Pereira Venâncio, e por isso aqui trouxemos o “Grupo de Cordas Alegro” de Souselas–Coimbra. Os músicos, alguns dos quais alunos do Conservatório, durante uma hora executaram clássicos que quase já não se ouvem. Inolvidável.
Quem não viu e ouviu, perdeu. O maestro Manuel Abreu, esclareceu que no ano findo deram 52 concertos, todos de modo gracioso “basta que nos tragam e levem”. Fez ainda questão de referir “o grupo só é possível com trabalho, muito”. Dedicou ainda um trecho a outro músico cá do burgo, já desaparecido, Joaquim Duarte, um mestre do violino, membro que foi dos “Galitos”. Uma noite diferente. Uma raridade.
Os homens são capazes de tudo, do melhor e do pior; os gestores da Filarmónica das Beiras hão-de sentir problemas de consciência.
Leiria, 2004.10.31