Se, se ofender com palavras vernáculas, fique por aqui; não leia mais. Contudo, sempre digo que, a aferir pela receptividade dos meus leitores – coisa chique, não acham? “dos meus leitores!” –, só por isso, sem abusos, ouso escrever hoje e agora um texto sobre uma questão de gestão – de gerência – usando linguagem ipsis verbis; picante, embora dum léxico do qual já não sei o que é, e o que não é, vernáculo, posto que há um acordo ortográfico em discussão lá para as bandas do Brasil, do qual somos parte; e, por cá, alguém falou dele? Mas, para a matéria, pouco importa. Vamos à história.
Numa empresa, nossa cliente; quatro sócios, volume de facturação razoável, empregando (ao tempo) à volta de cinquenta trabalhadores, salários ligeiramente acima da média, boa remuneração do capital investido, mercado florescente, bons rácios de performance, etc., etc. Quando assim é, todos querem dar o seu palpite.
Vai daí, a esposa de um dos sócios achava, isso mesmo, que tinha direitos de gerência – querendo, exigindo, que as suas opiniões fossem seguidas – opiniões, dadas a partir de casa, sempre ao arrepio dos princípios e das normas de gestão estabelecidas. Isto é; como dizem os brasileiros, enchia o saco ao marido. Este, por sua vez, em função desse aconselhamento, unilateralmente, vezes sem conta, derrogava decisões tomadas no seio da empresa, argumentando só no pós-decisões; em cima do que a esposa lhe havia injectado.
Com se compreende, por via disso, a situação começou a ficar tensa; conturbada, tão conturbada que a páginas tantas os outros sócios sugeriram que o melhor seria falar com a Senhora fazendo-lhe perceber que embora casada com um sócio, obviamente, não tinha estatuto para dar ordens, para fazer derrogar decisões.
Mas, a coisa aqueceu quando a dita veio à minha presença para uma reunião, na qual a deveria esclarecer e convencer, de que, gostando ela muito da empresa – que lhe enchia a boca, tal era o orgulho -, nem por isso poderia levar o marido a cair no ridículo, dando muitas vezes o dito-pelo-não-dito. E, que as suas opiniões, poderiam ser ouvidas, mas não poderiam fazer vencimento no seio da gestão; sobrepondo-se às da gerência.
E, pronto, com grande delicadeza, com os cuidados que sempre devemos ter perante uma Senhora, lá fui explicando que não obstante o marido ser dono de um quarto da empresa, essa detenção do capital não lhe dava, a ela, qualquer direito estatutário. E, terreu-teu-teu com punhos de renda lá a fui esclarecendo. E, eis se não quando, vendo a Senhora que estava vencida, pelo que emana da lei - não da minha opinião - eis que me reponde com voz firme e decidida “oh! senhor fulano, com essa é que o senhor me passou os colhões a ferro!”. Enfim, se a conversa tivesse acontecido aos dias de hoje, talvez, nem achasse anormal, porque agora tudo é aceitável, arregimentável até, mas ao tempo fiquei embaraçado com a saída da senhora, que por tudo deste mundo, não queria perder direitos de mando; que afinal não tinha.
Em apoio às suas teses, vem à liça o marido – até aí sempre calado -, dizendo-me prontamente “oh senhor fulano; a minha mulher, sempre foi assim, tem assim umas saídas, com graça, que lhe ficam muito bem! – e ria desbragadamente – olhe que, já noutro tempo, ainda ela era garota, contava o meu sogro, que Deus tem!, até os Senhores juízes vinham p’ráqui a banhos só para a ouvir!” O que poderia eu fazer? Fiz um esforço, para me manter sério, sem me rir, também!
E sabem o que vos digo, digo que as garotas fazem sempre das suas. O pior é quando deixam de ser garotas, levam vícios da má educação e do que tem graça, mas que não traz valor acrescentado.
Leiria, 2008.03.20