Quarta-feira, 30 de Junho de 2010

Naquele tempo não havia ASAE - sem embargo da importância que aquele órgão de polícia tem no controlo das actividades alimentares industrializadas - naquele tempo, dizia, havia muita economia caseira que para além do não impacto nas importações, animava seculares tradições; aproximava famílias, amigos, pessoas com créditos de favor – as tornas! -, colegas e vizinhos.

 

A matança do porco era uma dessas actividades económicas caseiras, com condimento maior numa jornada de confraternização, impar. O ciclo começava com a engorda; couves do quintal, aproveitamento da pele de batata, sêmeas da peneira, saramagos, sobras de comida, etc. Que carne gostosa! Qual mealheiro familiar a abrir nos meses frios.

 

Começava a cheirar a festa com a apanha da carqueja para chamusca do animal; até o mato silvestre era elemento de matéria-prima. O picador (o matador) chegava ao romper da aurora e dejejuava-se com um mata-bicho; figos, passas, aguardente, vinho branco, broa de milho, lascas de presunto; iguarias caseiras que nunca mataram ninguém. Qual frigorifico! Salgadeira, fumeiro e panelas de manteiga – para a recolha do torresmo - eram as técnicas de conserva.

 

A garotada estava sempre prontos a participar nas tarefas do amanho do mama-e-ronca. Na tarefa, havia sempre alguém a dizer “o rapaz, põe aqui água morna nesta orelha, não vês?” Invariavelmente saia "selapismo" na dita, saltando daí erupção para a cara do servente, a ficar sem fôlego. Rebentava em redor forte gargalhada.

 

Enquanto isso, à lareira da casa de fora, as mulheres faziam fogueira à panela das águas quentes. Ao mesmo tempo preparavam o almoço, quase sempre couve penca, batatas, bacalhau de posta grossa, azeite já a ficar em pasta; pelos rigores da invernia. E tinto retinto. Da loja (do comércio) só vinha o fiel amigo, tudo o mais era produção familiar.

 

Para que a tradição não se perdesse, no parecer do meu avô materno – sempre dizia “quando isto acabar, há muita gente a arreganhar a taxa com fome” - e, de algum modo também o meu tio paterno Zé Paula, sempre fizeram questão que aprendesse a arte. Nada de difícil. Aprendia-se praticando. Aprendia-se desmanchando.

 

Ainda recordo a primeira vez que piquei. O suíno quase nem ganiu, estocada certeira. Pela prática, pela tradição aprendi mesmo como lidar com porcos. Porém, hoje a tradição já não é que foi. Morreu.

 

Hoje falta e sente-se a falta do mealheiro. Porém, porcos continuam a existir, daí que se, se tiver de voltar às lides, ainda não as esqueci. O que se aprende nunca se esquece, e por isso continuo a saber como lidar com porcos, mesmo que feios e mauzinhos.

 

Leiria, 2010.06.30



publicado por Leonel Pontes às 16:59
Quarta-feira, 30 de Junho de 2010

Sou, antes de mais, leiriense. Sou cidadão com provas dadas no serviço à comunidade. Tenho uma vida ligada ao desporto. Conheço, por dentro e há muitos anos, a vida empresarial e os mais diversos modelos de gestão. Sou contribuinte. Não menos importante, tenho seis décadas de caminhada.

 

Estas circunstâncias deveriam possibilitar-me a compreensão do que está a passar-se em torno da muito badalada saída da União Desportiva de Leiria, SAD para outra cidade, outro concelho e outro distrito. No entanto, as experiências que tenho acumulado em diversos papéis, os conhecimentos que adquiri, a modesta sabedoria que ao menos a idade me proporcionou – nada disto me chega para alcançar os insondáveis desígnios que presidem às decisões de uma entidade (ou será de uma pessoa?) que diz representar Leiria.

 

Como comecei por dizer, sou leiriense, de nascimento e coração. Nessa qualidade, custa-me ver o nome da minha terra usado e abusado ao sabor de conveniências pouco claras e, em todo o caso, questionáveis.

 

Na minha passagem por este mundo, propus-me acrescentar algo à sociedade. A cidadania que tenho procurado cultivar no serviço de várias causas públicas não se coaduna com a falta de ética e de valores a que temos assistido – muitas vezes, com o beneplácito de pessoas e entidades investidas de uma autoridade da qual, na prática, se demitem.

 

Sei a importância que o desporto pode e deve assumir na promoção do desenvolvimento pessoal e social, desde a juventude até à idade dourada. Sei que deve merecer, dos responsáveis pelas políticas públicas, uma atenção estruturada e investimentos criteriosos. Também estou ciente de que o mesmo desporto tem condições para ser um negócio rentável, perfeitamente legítimo desde que não se subvertam regras nem se hipoteque o colectivo ao individualismo. Fui dirigente e sou um amante do desporto. Sei, por isso, distinguir quem está ao serviço do desporto de quem se serve do desporto.

 

O meu percurso na vida empresarial regional e nacional é conhecido. De contas, percebo eu, passe a imodéstia. Sei o que pode ajudar à sustentabilidade de uma empresa ou de um Município. Nem sempre o que parece interessante no imediato o será a médio ou a longo prazo. Por vezes, mais vale não fazer um negócio com um parceiro que não ofereça garantias de seriedade. Cada um sabe do seu dinheiro, mas o caso é outro quando falamos do erário público. Impõem-se muita prudência, elevado sentido de responsabilidade e, acima de tudo, seriedade absoluta.

 

Serve isto para dizer também que, como contribuinte, não abro mão de me pronunciar em relação ao que o Estado ou a minha Autarquia fazem da riqueza que eu, trabalhador e gestor, tenho gerado. O património municipal, seja um edifício, sejam dinheiros, não pode estar à disposição apenas de alguns.

 

Como referi, a minha idade já me deu muita coisa a ver, a ganhar e a sofrer. Ainda espero aprender muito mais. Talvez chegue a compreender os desvarios de certos dirigentes do futebol leiriense. Contudo, por enquanto, estou longe de achar que esta novela da UDL, SAD faça algum sentido.

 

Leiria, 30 de Junho de 2010



publicado por Leonel Pontes às 12:59
Quarta-feira, 09 de Junho de 2010

Há anos, ainda há poucos, dizia-se por aí “veja-se o exemplo da Grécia; até já os gregos nos passaram à frente!” E aceite-se que assim se pense, já que no que nós somos mesmo bons é a fazer análises; às contas dos outros. Contudo, esta parecia-me um tanto abstrusa. E porquê?

 

No portefólio de empresas, nossas clientes, essas mesmas tinham clientes gregos. E estes de há muito que experimentavam dificuldades em honrar os seus compromissos. Por outro lado, as empresas seguradoras de créditos deixaram de aceitar as empresas gregas como boas para concessão de seguro de crédito. E, quando assim acontece também o crédito financeiro já se foi!

 

Seguindo a máxima de S. Tomé “ver para crer”, não havia melhor do que ir até à Grécia para, “in loco”, perceber o pulsar da economia. E foi o que vi, um país a dar muitos sinais de ruptura financeira. Salvava-se a coroa de glória de ramos de oliveira.

 

Enquanto isso, por cá, gente com responsabilidades políticas continuava a dizer “a Grécia! assim estivéssemos nós!” Bem sabemos que, por vezes, se dizem coisas só para tranquilizar. Mas no caso não havia como dizer “ponham-se a pau, senão… não tarda, passamos a integrar o pelotão da Grécia!” E continuámos a fazer vida de abastados.

 

O mal está em que só sejamos capazes de ver o argueiro no olho do outro. E assim vai a coisa, teimamos em dizer que “bem! estamos qualquer coisita mal, mas daí até estarmos como os gregos ainda vão uns bons dias de lavoeira!” Pois é, e atenham-se a isso e vão ver onde vamos parar!

 

Com efeito, aceitem que tudo precisa de ser reequacionado; da base ao cume, ou se, se quiser do cume à base. Há muitos anos li, e ainda releio, a obra “Reinventar a Empresa” de John Naisbitt. Hoje, diria eu, temos de efectivamente reinventar não a empresa, mas o país, a gestão da coisa pública, a política, e ainda a União Europeia!

 

Mas, seja o que for preciso de ser reinventado, alguma coisa, até lá, haverá de ser feita. De contrário, isto vai mesmo acabar mal, a julgar até pelo que tive oportunidade de ver há dias numa outra viagem ao maior colosso económico do mundo. E, desde logo percebi, os portugueses têm de fazer filhos, que virão, desde logo, com a missão de um dia pagar as reformas. A não ser assim, o futuro ainda será mais sombrio.

 

O quê? Vêem-se gregos! Andem lá, façam um esforçozinho, em prol da continuidade da espécie, que afinal também está ameaçada. Não acham estranho que homens casem com homens, e mulheres com mulheres? E perde-se tempo a discutir minudências destas. E as grandes questões passam-lhes ao lado!

 

Leiria, 2010.06.09



publicado por Leonel Pontes às 13:50
A participação cívica faz-se participando. Durante anos fi-lo com textos de opinião, os quais deram lugar à edição em livro "Intemporal(idades)" publicada em Novembro de 2008. Aproveito este espaço para continuar civicamente a dar expres
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