O trabalho tinha que ser feito, não existiam tempos mortos. A ordem soava imperativa "depois dos trabalhos de casa - hoje têm por acrónimo TPCs – pões o gado ao carro e vais ter ao campo”. Ordens não se discutiam, nem tinham direito a resmungo. E, o fim de tarde chegava num instante.
Sem perda de tempo lá ia ao curral tirar o gado, passando, com cuidado, pelo seu meio em direcção à manjedoura, não fosse levar um coice, ou mesmo uma cornada. Sentindo gente ficavam desinsofridos e quando soltos logo corriam em pinotes pátio fora; bem sabiam que iam trabalhar, mas a alegria de se verem fora do curral animava-os. Foi assim que aprendi a lidar e a respeitar o gado corno. Entre as várias regras; para bem os dominar era preciso deixá-los cansar; espinoteando.
Um após outro juntava-os e perfilava-os; lado a lado, com esforço, escarranchava-lhes a canga sobre o cachaço; corria as peaças pelos cornos, após o que atrelava a cabeçalha à canga através da xavelha. (As coisas que sei fazer!)
E lá íamos estrada fora – ao tempo não havia o movimento de carros de tracção motorizada de hoje – a caminho do campo, não sem que, não tivesse cometido alguns erros; mas com eles aprendi. A tarefa de colocar os bois ao carro tinha ordem - como tudo -, um puxava do lado esquerdo e outro do lado direito. Conquanto, pensava eu, que era todos iguais.
O certo é que os animais se deslocavam de modo muito lento, fazendo uma força centrítpta – ao tempo, sabia lá o que eram forças! – contra a cabeçalha, e em vez de andarem prá frente empurravam pra dentro, o tempo passava e nunca mais chegávamos ao campo. Até que, ao passar por nós o ti Manel Pereira ao ver-me enfurecido com os bois disse: “oh rapazito os animais estão trocados, assim não andam!”
O homem ajudou-me a desaparelhar os animais, trocou-os e voltou a pô-los ao carro. E não é que os bois passaram a andar de forma ágil. Inevitavelmente, cheguei atrasado. Logo ouvi um ralhete “primeiro estava a brincadeira, não foi?” Quando é assim o melhor é ficar calado, e quando a conversa mete bois, então o melhor é mesmo esperar por asada oportunidade.
Enquanto isto dizia pra comigo “estes bois um dia, hão-de ter a sua encarnação”, que só poderia ser em boi; hoje não tenho dúvidas! Portanto, para além de um bom tirocínio de lide, o melhor é pôr-lhes mesmo o nome – um, o Chalado, e outro Encarnado, que de tão carregado, chamava-o de Encarnadão -, aparelhando-os a contento.
Quanto me tem valido na vida haver feito de tudo, por isso sempre que necessário - ainda hoje, já cair para velho - enfrento qualquer lide. Outrossim, procuro estudar as bestas não vá sair coice ou mesmo cornada que já não curaria com as fricções de alambique.
Leiria, 2010.08.27