“O homem está teimoso, não sai das onze notas e meia, faladinho talvez venha prás onze; a rês é boa!“A conversa continuava. Eu ouvia (e procurava perceber a coisa), mas não contava pró caso.
No dia “vinte e nove” de cada mês, dos anos cinquenta do século (e do milénio) passado, não faltavam na minha aldeia reses para negociar. Perto daquela estava uma outra bezerra, de olhar mortiço – esquelética de espinhaço a querer saltar para fora da pele - ao que soube depois vinha cheia de piolho, por isso não podia medrar. Por aquela, o vendedor pedia dez notas e meia. “Mas não as vale, diziam os feirantes”. O certo é que ninguém queimou o preço.
As conversas embrulhavam-se umas às outras; todos opinavam. A conclusão final foi; uma das bezerras não poderia ser vendida por menos de onze notas. E a marrana acabaria por ser comprada por dez notas.
As feiras dos "vinte e nove" foram assim durante anos. Os preços eram fixados em notas; uma nota valia, nem mais nem menos, “cem mil reis”. Assim sendo, a bezerra de 10 notas custou um conto de reis, ou seja ao tempo de hoje 5 €uros.
Os tempos foram passando e as notas de “cem mil reis” passaram à história, as feiras também – as do gado corno, estão proibidas – e tudo assim vai! Neste país tudo se pode fazer, menos trabalhar. E mais se diz; tudo deve ser vendido, com qualidade, marca, mas só em sítio de eleição, e trolaró. Mas o trabalho é que anda muito atrapalhado.
Contudo, quanto à questão “n” conclusões poderemos tirar. Vamos só a uma. Não havendo bezerras não há vacas, não havendo vacas não há leite (é que o leite não vem do supermercado; vai pró supermercado). Mas em compensação temos muita ciência acumulada, cursos para todos os gostos, normas para tudo, bem como temos milhares de hectares campos desertos, a criar mato, gente sem saber o que fazer. Criar gado é que é uma chatice; não pode ser.
Concomitantemente temos uma balança comercial desequilibrada; o país não produz, manda para fora o pouco dinheiro que não tem, para importar, para os ditos espaços de eleição, bens com que nos havemos de alimentar. E há outras soluções? Então não há! Não temos a menor dúvida.
Os tempos de hoje são outros; disso também não há dúvidas. Mas então, porque havemos de viver e morrer pobres podendo ser ricos! Porque a muita ciência acumulada não deixa ver o óbvio, mesmo defronte aos olhos.
E assim vamos andando. Um dia destes, na capital do país entrei num café, por sinal onde não faltava gente (eventualmente falando sobre negócios, de vacas?!), pedi meia torrada (o trigo também está pela hora da morte!) e “meia de leite”. E quanto paguei? A rir e sem demasias, 5 euros. Foi quanto me pediram. E logo exclamei “porra, ao que me lembre é o preço da bezerra que o meu pai comprou, embora cheia de piolho, na feira dos vinte e nove lá da minha aldeia”
E mais pensei. Será assim cheios de piolhos que vamos acabar (infelizmente alguns já assim vivem) Se não metermos mãos ao trabalho – a todo o trabalho, desde o intelectual, ao braçal, ao agrícola, e tudo o que necessário for, até mesmo ao trabalho para obstar a que os trolarós governem o país, de contrário vem aí praga; de piolhos.
Leiria, 2011.03.28