Ajeitada a saca do farnel - sabe-se lá com quê! –, ripava do cabide o último atavio; o chapéu. Saia porta fora rumo à estação do comboio com destino à Capital.
Ao tempo a linha do Oeste tinha um movimento sem par; de lá – da grande urbe - vinham uns senhores a banhos para S. Martinho do Porto, como fora Vitorino Nemésio ou para a Figueira da Foz.
De cá, nomeadamente, do norte do concelho de Leiria, partiam queimados pelo estio abrasador das matas, os industriais; da Guia, de Monte Redondo como fora Carvalho, ou de Monte Real. As serrações desenvolviam-se, os meios de transporte em especial os ferroviários, faziam-se anunciar, quais baratas loucas, pelo seu roufenho apito.
Enquanto isso, à falta de meios de transporte novos, recuperavam-se caterpilas da guerra; davam um jeitão. Mão d’obra havia, mas não muita, todos queriam experimentar outras paragens e partiam de assalto rumo a França.
Os mais novos, dentro do possível, supriam essas faltas. E, logo a partir dos doze anos, íamos (eu também fui) para as fábricas. Os que e tinham mais jeito apanhavam os serviços com cariz de especialização, os outros serviam para alombadores.
Para além da saca de retalhos, forrada de pano forte, não fosse esvair-se pelas costuras coisa de maior monta, também ia uma livreta de apontamentos acompanhada pela esperança de bons negócios; uns tabiques, uns forros de meio-fio, uns soalhos aparelhados de macho-e-fêmea, uns tacos de veia fina e mais umas madeiras de qualidade “a nossa fazenda, dizia um deles, é do melhor que há nas nossas matas!”
Na volta, os industriais (que eram gerentes, vendedores, caixeiros viajantes; exerciam toda uma panóplia de funções) depois de visitarem os estanceiros estabelecidos na Capital e só depois de haver a certeza de frete assegurado, regressavam pelo mesmo caminho; sempre com a mesma saca.
A saca também servia para trazer de volta a cobrança do fornecimento anterior (fornecia-se uma vez mais a quem pagava a anterior) por entre as migalhas de broa e um ou outro caroço de azeitona, embrulhado para disfarce, em papel de jornal, vinham as azuis notas de “conto de réis” o capital necessário para fazer girar o negócio; a indústria.
Ao tempo os industriais estavam limitadíssimos ao exercício das actividades económicas por via de um conjunto de obrigações nem sempre fáceis de ultrapassar o “condicionamento industrial”.
Ainda assim teimavam, sem embargo das muitas fiscalizações a que estavam sujeitos, eram os do Ministério da Industria (esses vinham de Coimbra) do Ministério das Corporações, Ministério do Trabalho, eram as finanças (já ao tempo!) e outros mais, cada qual com as suas funções; mas também aparecia a GNR, bem como uns senhores de ar sisudo e geralmente de óculos de sol (esses eram os da PIDE) soube-o mais tarde.
Com tantas limitações, atropelos e fiscalizações, os industriais lá iam criando trabalho (agora dito de postos). Mas, não é menos verdade que as condições de trabalho eram duras (não havia a maquinaria que hoje se dispõe, eu mesmo trabalhei até altas horas da noite a fazer cálculos de cúbicos e quadrados, à mão; papel e lápis. Como bem me lembro quando vi pela primeira vez essa coisa estranha a “odner” que fazia contas depois de umas maniveladelas para a frente e umas outras para trás)
Hoje temos milhares de jovens com formações e qualificações de toda a ordem que só sabem dizer “não há empregos”. E, por isso mesmo, ouso perguntar: mas, se está tudo por fazer, pelo que esperam! Ah temos muitos atropelos por parte dos governos. Pois têm! Mas hoje podem manifestar-se. Porque não se manifestam em ordem a dizer aos governantes que o “trabalho” para que seja fecundo não pode ser atrapalhado.
Manifestem-se, não para que vos seja dado um rendimento mínimos que só fomentam o ócio, manifestem-se exigindo as necessárias condições de trabalho. O resto, os impostos, esses virão mais tarde; o estádo é paciente, mas não perdoa; portando que esperem que seja gerada a riqueza, e depois tributem-na, deixem-se de ser “estrábicos” tributando a riqueza antes que esta seja gerada.
A continuar pelo caminho por onde nos (vos) levam um dia destes não teremos nem industriais nem empresários, bem como não teremos empresários nem empresas.
Porto Santo, 2011.08.011